Chantagem Emocional

Outro dia desses a menina do atendimento comentou comigo sobre os "Pintores com a Boca e os Pés". Não sabia do que se tratava, mas não era difícil deduzir que era uma associação de artistas com problemas nos membros superiores e que mesmo assim pintavam. Ela dizia que ia comprar os cartões de Natal dos caras, para ajudar.

Dando uma olhada nos cartões, achei que não valia a pena. Primeiro porque tem uma penca de instituições que precisam tanto ou mais de ajuda que os caras. Segundo porque eles cobram a bagatela de 25 realetas por 6 cartões que - sem querer desemerecer o esforço de quem se dispõe a coloca um pincel na boca e pintar algo - eram bem mais ou menos. Somando esses dois motivos, mais o fato de que eu não mando um cartão de boas festas há mais de 25 anos, deixei claro pra moça que comigo eles não iam contar.

Mas eis que dois dias depois eu recebo em casa um envelope polpudo. O remetente? A Associação dos Pintores com a Boca e os Pés. Abro o envelope e estão lá: os tais 6 cartões, uma carta e uma fatura me cobrando os R$ 25,00 . Os 6 cartões eram daquele nível mesmo (ótimos se considerarmos o esforço empregado para serem feitos, mas dignos de nota apenas se vistos por esse prisma) e a carta vinha um com um texto - também escrito à boca - em que explicavam o porque do envio.

Dizia a epístola - nofa! - que a APBP precisava de ajuda para comprar material de pintura entre outras coisas. Mas não foi isso que me "tocou" no texto. O legal foi explicar que eu não era obrigado a pagar fatura, nem precisava devolver os cartões. Mas que eu me lembrasse que é Natal e como eu estaria ajudando a instituição.

Ou seja: chantagem emocional da braba. Para os mais desalmados, beira o constrangimento ilegal!

Por mais escroto que eu seja, não seria capaz de amealhar os cartões, que eu nem usaria, sem pagar por eles. Não nessa época do ano e não vindo de onde veio (surpreendam-se, eu tenho um coração!). Mas é EVIDENTE que eu não pagaria por eles. Então tinha que arranjar uma solução. E arranjei.

A primeira coisa que me veio à mente quando vi o envelope foi: COMO DIABOS ELES CONSEGUIRAM MEU ENDEREÇO?!?!? A resposta me parecia óbvia: só podia ter sido a menina do atendimento que indicou meu nome. Daí veio a solução. Levei o envelope para a moça e dei os cartões para ela.

- Pra mim? Obrigado! Eu estava querendo mesmo!
- Melhor você ver tudo o que há no envelope...

A menina pega a carta e lê. Depois pega o boleto.

- E aí? Você não vai pagar?
- Não. Você vai.
- Eu?!?! Mas os cartões são seus!
- Não pedi por eles e não são mais meus! Agora são seus.
- Eu não vou pagar por eles!
- Nem eu! Mas agora eles são seus e a culpa que eu teria por ficar com eles sem ajudar os caras está junto, dentro do envelope.

A menina - que vale dizer, não adimitiu admitiu ter indicado meu nome - me olhou furiosa mas ficou com os cartões. E pagou por eles.


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